sábado, 8 de julho de 2017

O Trovadorismo

Resultado de imagem para trovadores            Primeiramente é importante saber que o Trovadorismo não é a coisa mais maravilhosa do mundo e nem tem esta pretensão. Tem o mérito de ser o primeiro movimento literário em língua portuguesa, mas tenho certeza de que você já ouviu algo do tipo.
            Quando penso em Trovadorismo lembro do meu primeiro contato com as aulas de literatura no Ensino Médio. Queria muito àquelas aulas, sempre fui um leitor de fôlego e não me frustrei muito quando a professora veio com textos escritos numa língua estranha à minha, um português em formação, de uma época longínqua e, com todo respeito, uma professora que parecia pertencer à época dos poemas.
            Mesmo assim gostei de estudar a cantiga da Ribeirinha, o primeiro texto escrito em língua portuguesa, o nosso idioma nascendo e num poema quase erótico, ao menos para os padrões da época (o rapaz via a sua amada com roupas de baixo). Mas isso só consegui entender depois. Com muita experiência de leitura.
            Na verdade, acredito que algumas coisas não deveriam ser estudadas com tanta profundidade nas aulas de literatura, e antes que escute alguém levantando a primeira pedra digo apenas como opinião pessoal e acredito também que o nível de profundidade tem a ver com os objetivos estipulados entre professor, escola e alunos; não é o caso da literatura medieval que já é estudada de forma superficial desde sempre.
E que ninguém pense que é impossível estudar literatura sem conhecer os primórdios de nossas letras lusitanas. Mas deixa eu continuar.
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Portugal fazia parte de um reino chamado Leão e Castela na Península Ibérica, onde hoje fica a Espanha e obviamente Portugal. Esses dois países são irmãos de criação com suas histórias ligadas ao destino do Império Romano. 
A língua de Roma, o Latim, se desmembrou em outros tantos idiomas como o espanhol, o francês, o armênio e o nosso português; são conhecidas por línguas românicas.
O português sofre forte influência dos idiomas árabes porque no local onde ficava um extenso território conhecido como Condado Portucalense havia várias invasões de território por parte desses povos, conhecidos como mouros. (Acho que dizer invasão é politicamente incorreto, mas caguei pra isso).
 Na verdade, Portugal se formou muito da necessidade que o Reino de Leão e Castela tinha de proteger suas fronteiras destas invasões. Uma fortificação foi erguida num posto avançado deste condado e, longe da sede do reino, foi questão de pouco tempo até declarar independência. (Você pode ler a respeito em um livro português muito legal chamado “O bobo, de Alexandre Herculano”).
Pois bem: castelos, soldados, poder da igreja (teocentrismo), essas coisas. Pensa comigo: não havia escolas, a língua era preponderantemente a fala e quando surgiram as primeiras canções no idioma desta terra, que ainda nem era um reino, nem tinha um idioma, elas (as canções) passavam de boca em boca, sem nada escrito, e claro, também não havia caneta.
Imaginem a dificuldade em encontrar um pedaço de papel. Essas canções, conhecidas por trovas, caminharam como num jogo de telefone sem fio mudando, afinando e desafinando até que alguém as pusesse no papel. Tipo um nana nenê que a cuca vem pegar...
Resultado de imagem para cantiga da ribeirinha originalMas não havia regras pré-estabelecidas de como escrever a língua daquela região, ou mesmo outras línguas românicas. Cada uma teve sua própria história e é por isso que num mesmo poema deste período podemos perceber, não raro, a mesma palavra escrita de formas diferentes no mesmo texto. Em suma, não havia regras gramaticais como as de hoje e os poemas têm sua autoria duvidosa, mesmo a cantiga da Ribeirinha, o primeiro texto em língua portuguesa citado alguns parágrafos acima, mesmo ele, não podemos dizer com cem por cento de certeza que foi composto por Paio Soares de Taveirós. Podemos dizer que foi Taveirós quem o pôs no papel e isso, pra sua época, já era um feito impressionante.
Os textos tinham uma função principal: animar as festas, por isso eram canções, chamadas didaticamente de cantigas. E é claro, assim como as canções do nosso tempo refletem a cultura do nosso período histórico, as canções trovadorescas refletiam seu período: amor impossível (isso, de fato, é muito pop ao longo da história de qualquer literatura), sofrimento amoroso, distância da pessoa amada, amor palaciano...
Resultado de imagem para cancioneiro geral de garcia de resendeAcho que vocês entenderam: o grande assunto aqui é o amor, e não há muitas variações.
Alguns estudiosos chegam a falar que o próprio conceito de relacionamento amoroso foi pensado neste período.
Faz certo sentido porque estamos falando num período em que a família decidia o destino sentimental de seus filhos, sentimental num contexto em que não havia a cultura de escolher o parceiro de vida. Neste sentido, o trovadorismo quando cria uma situação em que homem e mulher sofrem e querem estar ao lado da pessoa amada, sim, é revolucionário.
Mas outros estudiosos apontam indícios desse tipo de relacionamento com sofrimento, paixão, busca e idealização amorosa até entre os gregos. Fica aqui um assunto legal pra pesquisar na biblioteca, o caso é que essas canções, com esses temas foram importantes para o amadurecimento da nossa língua, a formação do nosso idioma.
O trovadorismo, com suas canções de amor, amigo, escárnio e maldizer faziam o painel cultural deste período, eram o Chitãozinho e Xororó da época, as cantigas satíricas faziam as vezes de lambada, forró, e sei lá, baile funk.
Tudo a seu modo, o período era o medieval, e esse tipo de texto predominou em nossa língua durante mais de duzentos anos.
As cantigas escritas, isto é, os originais, foram reunidos e guardados em compêndios chamados cancioneiros. Lá dá pra perceber, não apenas a ortografia, como também a caligrafia dos escritores trovadores. Pra quem se interessa, um prato cheio.
Também, para os alfabetizados desse período havia algumas versões de novelas de cavalaria, como aquelas do Rei Arthur, nada muito original.
Resultado de imagem para juazeiro onde anda meu amorO Trovadorismo serviu mesmo como pontapé inicial da nossa literatura. Tenho certeza que ninguém senta na cadeira de praia em frente ao mar lendo “ó flores do verde piño sabedes novas de meu amigo, ai deus eué?”, a maioria das pessoas, as “normais”, não literatos, escutam sobre isso no Ensino Médio e nunca mais. Porém a história de nosso caminho até aqui passa pela palavra e para nós brasileiros a palavra está no idioma português e aprender sua origem é muito importante.
Como, por exemplo, o uso da palavra amigo, que significa amante para os trovadores medievais e tem o sentido de proximidade, intimidade e cumplicidade do período contemporâneo. Ou do vocábulo coitado, oriundo de coita de amor, o sofrimento do eu-lírico masculino nas cantigas de amor. Nunca pesquisei, mas creio que a palavra coito (sexo) tem a mesma origem. Será? Sexo e sofrimento vindo da mesma palavra? Que seja. Permita-me ir para a conclusão deste artigo.
Mas antes uma pequena palavra sobre o que seja o teocentrismo que a minha querida professora explicava como sendo ter Deus como o centro do universo e eu ficava imaginando muito o que aquilo poderia querer dizer.
Mas teocentrismo é muito mais que isso. O período medieval era teocêntrico porque numa definição bem objetiva e simplista significa que todos os aspectos da vida das pessoas eram voltados para Deus. Assim: hoje você acredita em Deus, vai à igreja, mas é vacinado, toma antibióticos, tem plano de saúde.
Resultado de imagem para cancioneiro geral de garcia de resendeTer uma mentalidade teocêntrica significa dizer que qualquer doença se explica a partir da influência divina: dor de dente, gripe, lombriga, câncer. Iria a um padre e este apontaria qual penitência a se realizar, hoje não funciona assim. (Penso eu)
Por mais religiosa que seja a pessoa não há quem acredite que seja Deus e não o esgoto não tratado o causador de verminoses. Todo Papa se trata ou se tratou com muitos médicos, não somos mais teocêntricos, impossível ter um pensamento totalmente medieval nos dias de hoje, embora eu saiba que muita gente se esforça muito para tal. (Aff, falei, vamos mudar de parágrafo.)
Qualquer conhecimento adicional sobre todo assunto é muito bem-vindo e recomendo mesmo que você leia mais e mais sobre trovadorismo. Geralmente os livros a respeito são muito bons, os melhores são de editoras portuguesas, mas ler os poemas no original é uma verdadeira diversão. Difícil, mas divertido.
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Também é muito legal buscar características das trovas medievais portuguesas nas cantigas de hoje, tanto as lírico-amorosas quanto as satíricas: Geni e o Zeppelin é quase uma cantiga de maldizer, alguns funks também, a canção Juazeiro de Luís Gonzaga se encaixa perfeitamente como cantiga de amigo e quase todas as canções que envolvem sofrimento amoroso tem no trovadorismo sua raiz. A Legião Urbana canta uma cantiga trovadoresca na introdução de seu disco V vale a pena conferir.
A separação entre poesia e canção representou um grande avanço para a língua escrita. Entender a poesia como parte de uma qualidade específica de arte valoriza o português e nos amadurece enquanto povo, daí a criação da identidade linguística, depois identidade cultural até chegar aqui no nosso Brasil. Tudo parte de um todo.

É claro que deixei muita coisa pra trás no caminho, mas estou certo que este ensaio serve como um pontapé inicial para o estudo do primeiro passo de uma jornada que tem de Gil Vicente a José Saramago. Passando por muita gente excelente e alguns gênios como Eugênio de Castro e Fernando Pessoa, escritor que pôs a poesia portuguesa nascida no trovadorismo num patamar nunca alcançado por nenhum outro escritor lusitano, e raro de outras nacionalidades.

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