quarta-feira, 2 de junho de 2021

Revolution 9, Scorsese e Guernica

Eu gosto da experiência cinematográfica em todos os seus aspectos: leio críticas antes e após assistir aos filmes, vejo filmes cabeça, de ação, terror trash, gore, comédias besteiróis, cinema cult europeu, cinema bollywoodiano, coisa nova, coisa velha, indicados ao Óscar, injustiçados pela Academia e por aí vou. Desde muito jovem, sempre em grande quantidade.

                Uma vez houve que assisti a três filmes em sequência no cinema, pasmem, não recomendo nenhum dos três. Talvez escreva sobre esta experiência em outra crônica. Por hoje me atenho ao que me trouxe à pena, saindo da introdução dos dois primeiros parágrafos em que deixo muito claro que sou um conhecedor do que vou falar e que não aceito réplicas, pois quero minha crônica um tanto quanto axiomática. Apenas um pouquinho evidente me bastando por mim, humildemente é o que desejo.

                Pois bem, amo os filmes ruins. Adoro-os.

Os excelentes, os grandes clássicos são fáceis, são evidentes assim como meus axiomas.

Sempre entro pelos clássicos de Scorsese sabendo que terei das experiências cinematográficas o que há de melhor. E tome Taxi driver, Os bons companheiros, Casino, Touro indomável, Irlandês e o oscarizado Os infiltrados. Mas quero ver degustar com o mesmo apetite um New York New York de um toxicômano Scorsese e um desengonçado e ridículo de Niro.

                Vamos de Hitchcock, Coppola, Spielberg, Truffaut, Antonioni, etc. etc. etc. Com alguns deslizes dos gênios. (Quem nunca fez aquela cagada? Com a melhor das intenções, mas uma bela e grandiosa cagada.)

                Assim é a arte, assim a arte é. Nem toda pintura de Picasso é Guernica, nem apenas de Chega de saudade é feito João Gilberto. Quem dera toda banda fosse Beatles e tudo em Beatles fosse Álbum Branco e que no Álbum Branco não houvesse a horrorosa, odienta e salafrária Revolution 9. (Pra ser sincero em Beatles eu gosto de tudo até da revolução número 9, mas quis deixar claro meu ponto, portanto, mantenho: Revolution 9 sucks...)

                Vamos falar então do direito que todos têm de falar mal do que é ruim a partir do seu ponto de vista.

                Óbvio, não? Nenhum pouco.

                Experimenta falar algumas verdades sobre determinadas obras de arte, filme, música, gênero musical, artistas... chato. Chaaaaato...

Assim com o aaaaaaa esticado ao infinito. Seguido de reticências que é pra ser bem emblemático.

Quer dizer que eu não posso falar que não gostei de Bacurau? Sim. Este é o motivo desta crônica. Reivindicar o meu direito constitucional, humano, cinefilico, sim, o meu direito de cinéfilo de falar mal de um filme que achei um monte de baboseira em cima de um monte de baboseira. Para dizer pouco. Para não aprofundar, porque “em minha singela, humilde e axiomática opinião” o filme não vale o aprofundamento.  

                Veja só, não tenho nada contra o longa. O que me deixa um tanto quanto agressivo das ideias não é o filme em si, mas a rede de proteção ao redor da película impedindo qualquer um de criticá-la por razões políticas, ideológicas, sei lá, o inferno.

E já que falei vou esticar o que disse do Bacurau a Parasita, Pantera negra, toda a saga Star Wars a partir do terceiro e horroroso filme chamado O retorno de Jedi.

                Uau. Deu até uma desopilada no fígado.

                Repetindo incorrendo no perigo de ser repetitivo: não vejo grandes problemas nesses filmes, mas me cansa gente defendendo filme “porque sim”.

                Meninos. Meninas. Todo mundo tem direito de gostar e desgostar da obra de arte que quiser e criticar sem entender é tão errado quanto elogiar sem ter achado mérito algum para tal, apenas porque determinado grupo, crítico, famosinho de nicho (chamo assim, me recuso a escrever influencer). Apenas porque um famosinho de nicho disse que é bom, que é ruim. Que é isso. Aquilo. Outras coisas mais.

                Conheci tanta gente que só diz gostar de algo para estar perto das pessoas, eu fui assim com o heavy metal por muito tempo, tanto que acabei por gostar legitimamente. Gosto até hoje e muito mais que na adolescência. Mas sei de pessoas que não suportam cerveja amarga, cinema europeu, filme de arte, Ted talks, literatura alemã, verdadeira filosofia... mas quer parecer cult, cool, legalzinho descolado. Escrevi sobre isso há alguns anos: o hipster babaca.

                É difícil estar sozinho e às vezes posicionar-se a favor de algo que um grupo defende é uma forma legítima que as pessoas encontram para fazer amigos. Mas há um momento na vida de todo mundo em que se faz necessário crescer, viver cercado por menos pessoas e mais próximo de si mesmo: os próprios valores, construídos ao longo de uma vida de aprendizado, acertos e erros. Gostos peculiares ou não.

Reconhecendo a história que cada um construiu e que permite a si o direito de gostar ou não do que for. Empatia enfim. Empatia consigo próprio.

Nada demais. Não uma ideia muito nova: o Moço que morreu na cruz já dizia isso, mas vamos chamar de empatia então, mesmo consigo mesmo, a empatia inversa. Há aquela em que você se põe no lugar do outro e uma que também não é nova, a que você se põe no lugar de você mesmo, ouvindo suas próprias dores, valores, desejos e se permitindo falar o que pensa, o que sente, o que sabe, o que não sabe sobre arte, filme, música, a rebimboca da parafuseta e até sobre a ideologia política do amiguinho.

Momento de parar de mentir para si mesmo e dizer o que você realmente achou de Bacurau.

                                                                Mauro Marcel

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