terça-feira, 12 de novembro de 2013

USP, Zorra Total e polidores de maçãs

     Foi com sarcasmo que recebi a informação de que há acadêmicos da USP interessados (minto, interessados não, preocupados). Melhor começar de novo.
     Foi com sarcasmo que recebia informação de que há acadêmicos da USP preocupados com o teor das piadas racistas, classistas, machistas, reacionárias e grossseiras de certos humoristas stand up, apresentadores de talk show, organizadores de eventos humorísticos e donos de casas de humor.
     Há algumas semanas li na internet a opinião de algum desocupado mental com um quadro humorístico de um programa de uma emissora imbecil. Não vi o programa e o quadro, mas li a crítica, nela há a acusação de que o comediante falseia a história do Brasil, "ensina" falsos conceitos e é racista ao falar de nossa trajetória.
     Críticas desta espécie apontam que há, por parte dos humoristas, o desconhecimento da história brasileira, desrespeito às minorias e ultraje à memória dos que foram, ao longo de séculos, explorados.
     Dá pra saber muito do caráter de um ser humano pelos motivos que o fazem rir, chorar e gozar.
     E críticas ao caráter xenófobo, machista, etc. de atores de comédia como Danilo Gentili e Rafinha Bastos ocultam por trás da aparente luta em defesa das minorias algo muito maior: o baixo nível da educação formal do brasileiro aliado a uma cultura homeostática e conservadora, presa a um modelo católico europeu impossível de ser seguido em terras tupiniquins. Isso e a nossa história autoritária, colonização forçada e ainda os últimos anos de formação escolar stalinista.
     Não fique triste amigo da esquerda, estou mais à esquerda que você, mas deixe-me seguir verticalmente neste artigo.
     Aristóteles conceituou em sua Poética os elementos que qualificam um bom texto e nele (parafraseando) está que uma criação poética é de  qualidade quando atende aos objetivos à que se predispõe.
     Se a intenção do escritor é fazer rir e o público riu, sucesso.
     Se é fazer chorar e choraram, excelente.
     Dentro deste universo (limitado ainda) temos o sucesso de Gentili, Bastos e outros tantos. Mesmo eu não rindo, há quem ria, senão não estariam na TV, Internet, rádio, tablets e celulares.
     Programas como "Zorra Total" e "A praça é nossa" fazem o público rir com piadas deste gênero há muito mais tempo. Fazem rir? Sei lá!
     Você já riu com o Jeca Gay do Moacir Franco? Por que ninguém levantou uma tese contra o quadro do "Canarinho" ao telefone sendo agredido por um troglodita? Tião Macalé, Mussum, Vera Verão, o Café Bola Branca do Chico Anísio. Racismo? Pode ser.
     Algum grupo de proteção aos idosos processou o Alberto de Nóbrega pela Velha Surda?
     Algum grupo de proteção LGBT se levantou contra o "Olha a faca" do Zorra Total?
     Será que a Luiza Mel se ofende quando a mocinha da novela chama o canalha, bandido, vilão da história de cachorro?
     Discursos anti humoristas desconstroem o saber, não querem entender e se recusam a ver que o grande problema não é o esgoto televisivo ou o esgoto humorístico.
     Pensando assim surge o esgoto acadêmico: seres que se sentem os eleitos, prontos a utilizar a ferramenta errada para o material errado.
     Em quais elementos de crítica cultural, artística, estética, teatral, literária e poética foram baseadas as críticas? Fazem a leitura sociológica talvez filosófica...
     Crítica não é um samba do criolo doido*, deve-se utilizar parâmetros adequados para a análise de forma e conteúdo, mas no Brasil até os convidados do Faustão tem vez, voz e aplausos quando opinam.
     Talvez por isso que intrometidos de qualquer área se julga crítico e defecando verbalidades condenam livros, peças, filmes, discos, pessoas e até piadas.
     *O termo samba do criolo doido foi proposital. Expressão criada e difundida por Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, maravilhoso cronista que, é claro, teria sérios problemas com esse povo de hoje.
     Quando vejo um acadêmico da USP criticar um humorista stand up sinto-me como o observador vendo um pescador utilizar um arpão pra pescar uma sardinha. Mas não é bem assim.
     O acadêmico brasileiro, em geral, lê pouco e produz menos ainda. Lê, em média, dois livros por ano, então o academicus brasilis é mesmo um pescador de sardinha.
     Ele não se nivela ao humorista, já está nivelado por formação; quando entra no embate fica abaixo.
     E um artigo como o meu, que não tem nem a pretensão de ser lido, serve apenas para enfurecer o iracundo "estudioso".
     Dirá ele: "se não está conosco está contra nós", "é um reaça", "um direitista esse safado", "é um conservador".
     Fato: busca desqualificar o orador no lugar de  desqualificar os argumentos. Típico de nosso academicismo de araque que sempre privilegiou os polidores de maçãs
     Mais um fato: não há nada mais revolucionário no mundo que o pensamento.
     Outro fato: a televisão é um esgoto no mundo inteiro e também no Brasil.
     Por que ninguém critica o fato de uma concessão pública, com obrigações jornalísiticas e informacionais passar toda a madrugada e grande parte do dia programas religiosos, dogmáticos, racistas, machistas, xenófobos?
     O Danilo Gentili tem um programa minúsculo enquanto o tio religioso do chapelão está a todo momento em vários canais, elegendo deputados, alterando leis contra gays, negros, mulheres, contra os interesses de grande parte dos brasileiros, minorias ou não.
     Sabe por que ninguém critica os programas religiosos? O desinteresse surge como um bom chute, mas outros interesses é o mais provável.  Optaria por uma terceira via, a ignorância.
     Ignorância de ignorar. 
     Ignorar que a TV é uma concessão pública e deve informar e formar.
     Ignorar dezenas, centenas de horas religiosas e nenhuma informação. Perto disso o que é criticar ao Pânico,  Zorra e Agora é tarde?
     Deixa eu entender: os religiosos se organizam, conquistam a mídia, atravancam leis liberais e o grande problema é a piada da mulher do leite materno?
     Cortina de fumaça.
     Estão levando piada a sério e concessão pública na graça.
     Os canais 2, 4, 5, 7, 9, 11, 13, etc. pertencem a mim. Eu sou o povo e isso me pertence, pois este é o significado de República.
     Absurdo haver mais que metade da programação diária de um destes canais voltada ao culto de uma só religião: a neo pentecostal.
     Em contrapartida os ditos acadêmicos ignoram o fato e criticam os humoristas, em adição a isso os representantes do poder público não cumprem a obrigação de analisar os conteúdos e exigir diversidade, num ciclo vicioso e feio a crítica vem em quem faz piada (mesmo sem graça) e não aos criminosos.
     Criminosos sim. Quem não cumpre a lei incorre em crime, quem o pratica um criminoso.
     E antes que digam que sou contra os evangélicos, digo: vá estudar! Estou jogando a culpa nas empresas de comunicação (ao menos esta parte da culpa).
     Sou a favor de todas as liberdades individuais, inaceitável é o uso de uma liberdade interferir na minha, aos meus, aos seus.
     Adoro poesia, mas doze horas de poesias em cinco dos sete canais ao longo de toda a noite? Bom? Não. Ataque à liberdade de escolha.
     Onde estão os programas sobre candomblé, espiritismo, literatura, ópera, jazz, chorinho, samba de raiz, sertanejo (o de verdade)?
     Resumindo minha posição: sou totalmente a favor da crítica às piadas preconceituosas, só entendo que isso faz, fez e sempre fará parte do humor popular e acredito na liberdade e esta vem com responsabilidades.
     Não à toa dois dos humoristas aqui citados enfrentam processos. O nome disso é democracia. Comediantes enfrentam processos no mundo inteiro, faz parte da profissão. Assim como diziam dos jornalistas nos anos 70, hoje é tudo chapa branca.
     Resolver os problemas com slogans é próprio de uma cultura que nunca atingiu aos livros. Não os lê e não sabe discutir as ideias neles contidos.
     É claro. Discutir "pseudo piadas" é mais fácil que discutir conceitos.
     Também mais fácil que discutir a problemática de todo um país que tem como fonte primária de informação a TV e o Facebook. Isso sim problemático e profundo.
     No mundo inteiro está havendo uma descolação das pessoas às suas raízes, uma espécie de autismo social que não nos faz ver além do que aponta nosso próprio nariz. São os discípulos de Steve Jobs.
     Há uma questão bem mais grave, há várias gravíssimas.
     Faz parte da história do mundo as piadas de gênero e afins, devemos vigiar e atuar contra os abusos e nos libertar deste complexo de vira lata que não nos permite ter um programa sequer de excelência como "It crowd", "Little Britain", "Family guy", "South Park" e "Breaking bad" etc. Que não existem por aqui por utilizarem de um humor que é proibido na TV aberta. Porque nestes canais o que pode já pôde há mais de cinquenta anos ao redor do mundo inteiro.
     É nossa cultura homeostática em que tudo deve estar em seu lugar. O novo nunca chega, o presente sempre igual e o passado morto e enterrado.
     Discutir o conteúdo do humor enquanto o religioso se organiza, doutrina, mitifica, elege, reprime e oprime é estranho. Não enxergam nada além das próprias fuças e nem disso cuidam corretamente.
     Curiosa nossa mania de emitir opiniões após um vídeo, uma imagem, um post do face... Nunca há espaço ou saco para a argumentação. Desde que o mundo é mundo: opinião sem argumentos é boato. Buscar argumentos é uma tarefa árdua, envolve tempo, trabalho e muita intelecção. 
     Mas isso não é engraçado.

Por Mauro Marcel
       

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